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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Nascimento do Andrej - Um relato inacabado

Sinto que este relato ainda não acabou. A cada dia eu tenho mais um insight. No entanto me vem uma urgência de escrevê-lo como se colocando no papel me fosse ficar mais claro algum porquê ou como. Como se um desenho me fosse fazer visualizar algo que pode ser óbvio, mas a mim, será como um argumento que eu ainda não ouvi. Eu sinto um peso. Tenho momentos de intensa alegria, mas momentos em que parece que me perco numa profunda escuridão. Não sei se por como as coisas aconteceram, ou se pelo que aconteceu depois.
Não, eu não estou sofrendo por não ter parido, por não ter tido meu parto domiciliar ou mesmo natural, por não ter tido a vivência que meu corpo é capaz. Fico um pouco triste, sim. Mas também sinto que a jornada não foi em vão, eu sou uma pessoa diferente hoje pelo caminho que percorri na estrada da humanização. Não pretendo me afastar dele, pretendo levar essa boa nova a muitas ainda e um dia vivenciar o que sonhei pra mim e pro Andrej num novo nascimento, onde ele vai participar como meu companheiro. Talvez uma hora eu ainda vá chorar esta etapa.
Quando eu pensava na possibilidade de precisar de uma cesárea, pensava que esta seria a pior coisa que poderia acontecer. Por ora, eu estou imensamente agradecida pela minha cesárea, pois apesar dela ter me privado do parto, não me privou da maternidade, e isso, eu não fazia idéia do quanto era imenso. O parto ficou pequeno. Mas ainda assim eu me reservo o direito de chorar por ela uma hora, pois é fato que algo dentro de mim morreu, sim, naquela cirurgia.
Para quem queria um parto em casa, as coisas aconteceram totalmente ao inverso. Pra começar, eu tive uma gravidez linda, desejada, saudável. Mas sob um enorme estresse no trabalho. Sou gerente de qualidade de uma instituição de internação domiciliar e quando descobri a gravidez eu estava no meio da coordenação de um projeto grande de certificação chamado Acreditação, que é como um ISO da área da saúde. Foi um longo processo de mudanças tanto estruturais quanto cotidianas na empresa e tudo pelas minhas mãos. Ao me aproximar do oitavo mês de gestação, nos aproximávamos também de nossa primeira avaliação diagnóstica, onde todo nosso trabalho seria avaliado em 3 dias de visitas do órgão fiscalizador. Todo nosso trabalho de meses, ou seja, as nossas novas diretrizes, rotinas de trabalho, processos, protocolos precisavam estar descritos formalmente. Como coordenadora, me fugiu um pouco a noção de que meus líderes setoriais deixariam para última hora colocar tudo isso no papel e colher as devidas assinaturas de aprovação, para que eu homologasse, arquivasse e arrumasse na ordem que tinham de estar para que os avaliadores pudessem manusear, caso contrário, sem evidências, tudo que fizemos desde o começo seria em vão. Os dois últimos meses de gestação foram intensos, trabalhando sábados, domingos, até tarde, chorava muito, cansada, estressada, preocupada. Meu filho ficou em segundo plano, afinal, ele estava bem. E eu sofria muito por não estar curtindo mais minha barriga e minhas últimas semanas com ele dentro de mim. Fora isso, me tranqüilizava saber que eu lhe daria um parto digno e que tudo se encaminhava bem para isso.
Foi aí que na 34ª semana, exatamente no último dia das avaliações, eu tive muitas contrações e perda de tampão. Eram indolores, mas fui ver minha EO, a Helo, que achou meu colo muito centralizado, temeu um trabalho de parto prematuro e me colocou de molho em casa uma semana para fugir do estresse. Passou. Paralelamente ela me pediu uma ultra para nos certificarmos da posição dele. Estava difícil de sentir, ficamos com dúvidas. Na ultra, a sentença: pélvico. Começou meu desespero. Eu me desestruturei. Tanto estresse e só com isso eu fui me abalar. Pensava mil coisas ruins que eu nem conseguia verbalizar, que meu filho mexia pouco, que podia ter problemas neurológicos, que ele tinha raiva de mim, que eu causei isso a ele com meu estresse...  cheguei a ficar chateada com ele por fazer isso comigo... me abalei mesmo. Minha mãe veio me dar suporte, o que foi muito rico pois vi o quanto ela me apoiava nessa minha aventura a qual todos eram contra, menos meu marido. Ela me ajudou com as posturas, com o relaxamento, com a conversa com ele, com massagens, com som, calor e frio e eu vi que ela queria mesmo que eu tivesse o parto para o qual eu me preparei, que ela também acreditava nele...
No dia em que soube que ele estava sentado eu entrei no banho e chorei, chorei, chorei. Queria que a água levasse minha tristeza e preocupação. Eu via uma cesárea se anunciando e nada me consolava. Com a cabeça debaixo da água do chuveiro eu me senti numa caverna e vi uma mulher no meio de um lago lá no fundo da caverna. Eu ouvia latidos e uivos e logo reconheci que ela era uma Deusa chamada Hécate, que é a senhora dos portais e, portando, do nascimento. Ela me ofereceu da água do lago para beber e eu imediatamente aceitei, como se aceitando um convite para deixá-la me guiar nesse processo. Aquilo me acalmou. Mas internamente eu sabia que isso significava uma jornada. Certa vez escrevi sobre a descida ao submundo de Inanna, outra Deusa. Como mulher, já vivi essa “descida” em outras etapas da minha vida e sei como é difícil, mas no final todas retornamos como Rainhas. Para chegar ao fundo da caverna, no lugar mais profundo de nós mesmas, precisamos nos despir de nossas insígnias, de nossas máscaras, de nosso controle sobre nós mesmos, para atravessar o portal que temos que atravessar, seja qual for. E só então poder aprender a lição e voltar com o poder nas mãos. Esse poder nesse caso, era meu filho. Pra mim, foi claro que Hécate veio me convidar pra uma descida. E eu aceitei.
Mas enquanto eu trilhava meu caminho interno com meus medos e travas internas, a equipe viu algo na ultra que havia me passado batido diante da notícia dele estar sentado: a biometria dele estava atrasada. Lembro delas terem falado algo, mas eu pensei “ele é pequeno mesmo, e daí? Eu também sou. É até melhor.” Nem liguei. Mais uma semana de exercícios, acupuntura, conversas e mais uma ultra: ele ainda estava sentado. E, silenciosamente, sem crescer o quanto era esperado. Mais uma vez a equipe ficou alerta, mas não era hora, ele ainda estava bem. Eu, ainda ignorava os riscos disso. Me concentrando na parte dele estar pélvico, me enchi de força, aproveitei que minha mãe voltaria para sua cidade uns dias, programei um intensivo com meu filho e lá fomos nós sozinhos pro parque, pra praia e eu tive longas conversas com ele sobre mim, meus medos, minhas expectativas e sentimentos em relação a ele, meditei muito, respirei muito com ele, chorei muito, descobri muita coisa sobre mim e sobre ele. Os exercícios foram deixando de ser uma obrigação e foram virando o melhor momento do dia, pois era o momento em que eu sentia e vivenciava meu filho, que eu ia o conhecendo. Foi aí que magicamente eu percebi que havia parado de me preocupar com a posição dele e com a possibilidade de ele ter problemas e comecei a ver diferente: ele tinha ficado negligenciado um tempão e reivindicou a mãe do jeito dele. E conseguiu! A esta altura eu estava totalmente entregue a ele, vivendo pra ele, já fora do trabalho, sem estresse, ele era GENIAL! Que orgulho passei a sentir dele, o amor que eu tinha por ele foi tomando forma. Antes era só expectativa, possibilidade, e naquele momento já havia consistência, tamanho, formato. Nada me tirava a sensação de que não havia mais nada que o impedisse de virar e de termos nosso parto tão sonhado, eu estava confiante. No dia em que completamos 37 semanas eu tinha consulta na GO, a Fernanda, com quem eu fiz o pré-natal junto com a Helo, sempre todos se falando. Fui feliz e radiante, sabendo que ele já poderia ter virado, estava mesmo sentindo ele diferente. Na consulta, ouvi da médica que o fato dele estar pélvico não inviabilizaria meu parto natural, que tudo ia depender dele e de mim e das circunstâncias. Fiquei mais feliz ainda! Mas na hora de auscultar ele, os batimentos estavam leeentos... nem achei que fosse ele. E dali foi aumentando o ritmo e ficando rapidinho. Eu sem entender, perguntei se isso era normal. A Dra. Fernanda disse que poderia ter dado uma descompensada, que eu estava de barriga pra cima, pra evitar essa posição. Auscultamos mais algumas vezes e tudo normal. Minha pressão deitada de barriga pra cima deu 15 por 10, de lado, voltou para 10 por 6. Também verificamos isso algumas vezes e em todas minha pressão subia muito deitada de barriga pra cima. A Dra. Fernanda pediu que eu fosse fazer uma ultra naquele mesmo dia. Perguntei se eu podia almoçar antes e ela disse que sim, mas que ligasse pra ela da emergência da Perinatal para dar notícias. Indo pra casa almoçar, eu fiz minha mãe errar o caminho de casa e ir em direção à Perinatal que é bem perto da minha casa, então ouvimos o acaso e fomos direto pra lá. Fomos atendidos de pronto, o que foi estranho. E na ultra, a médica viu uma centralização severa, que é o que acontece quando seus pequeninos órgãos recebem pouco oxigênio da placenta pelo cordão, fazendo a circulação prevalecer nos órgãos mais importantes, que são o cérebro e o coração. Ele não havia mais crescido, meu líquido amniótico estava diminuído... não havia outra escolha senão interromper a gestação. O Andrej precisava nascer.
A notícia me acertou como um golpe no estômago. Eu ainda não havia me atentado para a seriedade da restrição de crescimento, sua ligação com centralização ou com sofrimento fetal, mas a verdade é que meu filho estava em sofrimento e tinha que sair da minha barriga dali pouco tempo, pra onde pudessem fazer algo por ele.
A partir daí são flashes que eu tenho de memória até a hora em que ele foi colocado no meu peito. Eu fui pra casa, fiz nossas malas correndo sem conseguir pensar nem que dia era nem o que eu usaria, nem se as roupas dele caberiam, já que era um bebê com peso estimado de menos de 2kg. Me internei menos de 2h depois. A Helo veio pra minha casa e me acompanhou até lá com meu marido e minha mãe. O suporte emocional dela foi muito importante tanto para mim quanto para meu marido, pois a gente não só estava tendo nosso sonho do parto interrompido, como nosso bebê corria perigo. Lá encontrei a Dra. Fernanda que já havia feito minha pré-internaçao pra agilizar e já estava com toda sua equipe pronta. Fui internada, fui prum quarto, recebi a anestesista, assinei o consentimento, tiveram de chamar dois supervisores prediais com alicates pra tentar tirar um piercing de septo nasal que eu tenho e não saía (que foi uma parte até engraçada), eu coloquei aquele avental de bunda de fora, deitei numa maca e fui levada pro centro cirúrgico, onde meu marido foi trocar de roupa e eu fiquei só, com meus pensamentos, enquanto um técnico de enfermagem tentava colher umas informações de mim, me colocava uma pulseira e me mostrava meu nome na pulseira do meu filho. Eu olhava aquilo meio fora de órbita. Eu estava morrendo de medo, tremia, estava em pânico. A Helo chegou e afugentou o cara e então começou a me dizer coisas doces e que fizeram toda diferença. Ela me disse que os olhos dela seriam minha âncora e me transmitiriam segurança e que eu olhasse sempre pra ela quando precisasse dessa segurança. A equipe rapidamente chegou e eu fui pra sala de cirurgia na maca. Lá me prepararam e a Helo ia me dizendo o que seria feito, a equipe se apresentou a mim. Dra. Fernanda brigou para que o ar e a luz fossem diminuídos e um papo de viagem que começou a surgir entre a equipe foi logo cortado silenciosamente, provavelmente pela Dra. Fernanda. Chegava a hora da anestesia. Essa foi uma hora particularmente difícil pra mim, pois era minha hora de me entregar. Eu resisti. Algumas insígnias a esta altura já haviam sido arrancadas de mim: meu sonho de parto, meu trabalho de parto, a segurança do meu filho, minhas roupas, meus piercings. Agora era hora de eu me entregar ao inevitável. A anestesia que dão para que você não sinta a agulha que entra na sua coluna, eu não a sentia fazer efeito, sentia as agulhadas nos ossos, chorava muito. Foi sofrido. Assim que pegou, me anestesiaram e eu fiquei falando que tava sentindo tudo, tava sentindo mexerem em mim, sentia minhas pernas, achava que tava mexendo o pé. Era medo. Uma hora eu senti o cheiro do bisturi queimando minha carne e relaxei. Então eu voltei minha atenção para a Helo novamente, tentava respirar profundamente, mas tinha um peso imenso no peito. E de repente abaixaram a cortina e ele surgiu, roxo, imóvel, com as perninhas esticadas diante do rosto. Ele foi colocado por frações de segundo perto do meu rosto e novamente levado para reanimação. O tempo parece que parou ali. Eu repetia “chora pra mim, meu filho! Quero ouvir ele chorar! Chora pra mim, Andrej!” Pedi ao meu marido que fosse com ele pois ele estava com pessoas que ele não conhecia, mas meu marido não conseguiu. Então a Helo se ofereceu para ir e eu pedi que fosse. De lá ela dizia que estava tudo bem, mas eu não acreditava. Então ele chorou. Acho que ali eu respirei pela primeira vez. Não pensava mais em cirurgia, em estar aberta, em parto, meu filho chorou! Ele foi novamente colocado no meu peito, dessa vez rosado e chorando e parou de chorar quando nos encostamos. Quem o recebia era uma nova pessoa, eu não era mais a mesma de quando ele foi levado. Ali, eu me tornei mãe, quando eu o vi roxo e imóvel, quando finalmente eu entendi que se não estivesse ali, poderia não ser mãe, quando eu abdiquei do meu apoio, para que meu filho tivesse suporte, quando eu agradeci pela cesárea existir, eu me tornei mãe. Eu cortei seu cordão, claro que ele já havia sido cortado, eu só cortei a parte excedente, num gesto bem simbólico. Eu queria ser a pessoa que cortasse nossa ligação simbiótica, a mesma que em diversas etapas, de diversas formas, vai ter de deixá-lo ir para o mundo.
Algumas experiências são impossíveis de você tomar consciência do que está acontecendo com você enquanto as vive. Não havia como eu saber o que acontecia comigo internamente enquanto meu filho saía de mim. Agora, olhando de fora, acredito que eu, que queria ser o mar para que meu filho navegasse através de mim para o mundo, estava na verdade, num barquinho, remando heroicamente rumo ao meu parto, orgulhosa do quanto havia percorrido, quando de repente, os remos desapareceram. Eu estava totalmente à deriva, à mercê do mar tecnológico que me banhava, sem poder fazer nada senão olhar a paisagem e confiar na correnteza, que neste caso, era a equipe mais perfeita que eu podia ter escolhido, que soube esperar o tempo do Andrej serenamente até que não pudéssemos mais e ele pudesse ser nascido, mas ainda respirar sozinho. Minha mãe havia me falado dessa metáfora. O mar foi turbulento, mas no final o barquinho rumou para um canto ensolarado, em águas claras e perto de margens floridas e verdes e, mesmo sem remos, eu pude apreciar a viagem com meu filho nos braços.
Uma vez li um relato de parto de uma estrangeira muito bonito, poético, onde ela traçava uma metáfora de seu trabalho de parto como se fosse uma jornada onde ela tivesse ido pro lugar mais profundo de sua alma, lutado com uma tribo de ursos e retornado com sua filha nos braços. Eu hoje sei o que é isso. Mesmo sem trabalho de parto, o nascimento do meu filho foi uma jornada profunda, cheia de lutas e batalhas, principalmente comigo mesma e eu venci e voltava com meu filho nos braços.
Penso, se esta fosse toda a história, se eu me sentiria diferente, ou se a carga emocional dessa passagem atribulada se propagaria mesmo assim para que eu me sentisse como agora. A verdade é que a história não acaba aí. Andrej nasceu um bebê de 41cm e 2.170g. Era um serzinho minúsculo, com perninhas de sapo, o que o fazia ficar ainda menor. Sua placenta pesava menos de 200g e seu cordão era curto demais. Nem se ele quisesse, ele iria virar. Quisemos colher células-tronco mas o laboratório não conseguiu colher nem a metade da quantidade de células viáveis necessárias. No entanto, meu amor por ele foi imenso logo de cara. Apesar do tamanho e das circunstâncias e de ter precisado ficar na incubadora por uma hora para se aquecer, ele logo depois veio pro quarto e, a pedido da pediatra, as enfermeiras vinham nos auxiliar com amamentação a cada 2h. Ele precisava pegar peso, eu queria amamentar, ele precisava do meu leite. Eu tinha muito leite, o que foi surpreendente. Mas ele teve dificuldade para sugar. Tentamos insistentemente, até que começaram com os testes de glicemia a cada 3h. De 3 em 3h furavam meu filho no pé e isso era uma pressão imensa para mim. Eu dormia mal, pouco, queria trocar fraldas, dormir com ele e estava com dor. Chegava à conclusão de que mães que preferem cesáreas não pretendem cuidar dos seus filhos como eu queria cuidar, pois foi muito difícil pra mim. Eu queria que ele mamasse. Ele sugava no dedo, mas não na mama. As enfermeiras espremiam meu colostro na boca dele, me apertavam e eu desesperada, deixava. Na segunda noite quando eu ainda não havia conseguido que ele mamasse direito, uma enfermeira me disse que ele estava há muito tempo sem se alimentar, que isso era preocupante, que talvez fosse melhor dar só um pouquinho do complemento. Eu disse que não, que ela ligasse pra pediatra que ela iria lhe informar que não era pra dar. Ela me liga do berçário e diz que a médica havia pedido que desse 10ml do complemento só para que ele não ficasse sem comer. Eu cedi. Quando ele voltou, ele vomitou tudo em mim. No dia seguinte a pediatra me falou que ninguém havia ligado para ela. Ali eu comecei a oferecer a mama em horários que as enfermeiras não estavam, quando elas vinham eu dizia que ele já havia mamado. Os testes de glicemia continuavam, e os resultados bons eram minha segurança. Com a orientação da Helo, apelei para o bico de silicone e ele mamou. Melhor que ele mamasse assim do que tomar complemento. A glicemia dele deu um salto. Foi nossa segunda vitória.
Começamos a esperar para termos alta. Mas no segundo dia, veio nossa terceira batalha. A pediatra pediu diversos exames alegando que desconfiava de uma síndrome genética. Ela não conversou comigo, falou rapidamente com meu marido que quis me poupar. Acordei de um descanso com uma enfermeira vindo levar meu filho. Foi uma confusão pois eu não sabia de nada. E foi assim que eu fiquei sabendo que a pediatra achava que meu filho tinha a cabeça num formato estranho, os olhos puxados demais, o quadril estreito associado à restrição de crescimento e à placenta, ele devia ter uma síndrome grave. Ela desconfiava de uma cardiopatia severa, má formação. Ele fez USG de fontanela e abdome, eletrocardiograma e foram dois dias intensos e estressantes de exames e espera de seus resultados. Ao final, tudo normal. Nossa, que alívio. Mais uma vitória. Quando relaxamos, tivemos alta, a pediatra veio nos dar orientações. Entre elas, a de encaminhamento para um geneticista, pois ela ainda suspeitava de algo. E assim estamos desde então, aguardando a consulta, que foi hoje.
Acredito que tivemos mais uma vitória. O geneticista avaliou o Andrej e disse descartar qualquer síndrome que ela pudesse desconfiar. Pediu um cariótipo para confirmar a avaliação clínica e um exame de fundo de olho e cristalino por um pediatra oftalmo por precaução. Disse que isso é tudo que podemos avaliar por enquanto, que deveríamos voltar quando ele tiver entre 3 e 6 meses, quando já vai estar interagindo. Até lá é dar tiro no escuro. Que o fato do tamanho dele ser pequeno pra idade gestacional e da restrição de crescimento podem sugerir algumas doenças, mas que até agora não há motivo para achar nada, que precisamos ver como ele se desenvolve para termos alguma suspeita mais concreta. Esperava ouvir um “seu filho é totalmente normal, pode ir sossegada”, mas acho que isso já bastou. Eu olho para ele e o acho tão perfeito... Ele é pequeno, mas e daí? Eu também sou.
Queria ter uma história de parto linda pra contar. De fato, tiveram momentos sublimes, lindos, como a primeira música que ouvi com ele e que dançamos juntos. Esse amor enorme, mas de certa forma sofrido, pois eu não consegui relaxar desde que ele nasceu. Agora eu acho que não consigo deixar de me preocupar, de temer por ele. É uma sensação muito ruim. Quero curtir esse amor plenamente, mas parece que tem sempre algo espreitando, assombrando. Eu temo tanto, altero momentos de extrema felicidade com outros dias de pura tristeza e preocupação. Creio que o nosso nascimento me marcou muito. E a meu filho, através de mim. Tenho dificuldades de ver o vídeo que meu marido fez com as fotos do parto, me emociono, mas de uma forma que evito. Sinto um calafrio quando olho pro desktop do note dele, onde tem uma foto do Andrej saindo de mim. Tem dias que temo tanto por ele que queria colocá-lo de novo dentro de mim, de viver por ele. Tem horas que olho pra ele e o amor que sinto por ele dói. Não sei explicar. Uns diriam que isso é pós-parto. Eu diria que é um pós-não-parto seguido de muita, muita angústia e preocupação. Mas que fazem de mim uma mãe que quer muito muito muito bem ao seu filho e daria a vida por ele.
Não quis compartilhar isso tudo com toda a família, até porque a parte que não compete à saúde dele e só compete ao meu emocional não será de todo compreendida e, na verdade, o que eu sinto é uma mistura disso tudo junto. E eu recebi tanta gente, todos os dias, tanta visita, que acho que não tive muito tempo pra absorver tudo.
Eu precisava escrever. Sei que é cedo, que eu ainda estou muito mexida, que talvez isso não tenha acabado, que talvez eu ainda não tenha retornado da descida à superfície. Mas uma hora eu retornarei e uma coisa é certa: eu já trago meu filho nos braços.


Agradeço à equipe linda e sintonizada que tive, Helo e Fernanda, vocês foram muito mais que uma equipe, foram amigas, guias, portos seguros. Helo, um dia você ainda vai presenciar um parto meu, parido, sonhado e desejado, obrigada por suas palavras doces e asserivas. Elas fizeram toda a diferença. Fernanda, obrigada por sua alegria de viver, sua segurança e respeito pelas minhas escolhas, mas mesmo assim, por agir na hora que precisou.

Agradeço à minha mãe pelo carinho e dedicação de abdicar de sua vida e suas coisas, seu marido para vir me auxiliar nessa fase da minha vida. Obrigada pela eperiência que você tem me passado tão respeitosamente, me deixando espaço para errar e acertar. De toda sua ajuda, o que mais me tem feito bem é a proximidade de você, suas histórias e seu jeito doce de cuidar que eu também quero ter. Eu amo você.

Agradeço, mais do que tudo, ao meu marido amado, que me apoiou do início ao fim, abrindo espaço para minhas doideiras e irreverências e entendendo minhas razões. você adotou meus ideais como se fossem seus e caminhamos juntos até o fim, como deve ser, como juramos em nossos votos. Cada dia eu te amo mais, por você ser o homem que é, o marido que é, o companheiro que é e o pai que é. Amo, amo, amo...

Eis o vídeo do parto: